Você que sabe! Uma conversa sobre autonomia e proatividade

Jean J. Michel
4 min readMar 12, 2021

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Photo by Albert Dera on Unsplash

Há alguns [bons] anos eu tinha um gerente que sempre que eu perguntava alguma coisa para ele a resposta era “você que sabe”. Desde coisas bem focadas no dia a dia do trabalho até coisas mais pessoais, como quando eu precisava me ausentar do trabalho para uma consulta médica ou acompanhar alguma coisa da vida escolar das minhas filhas, por exemplo, a resposta era sempre a mesma.

O que me colocava em uma encruzilhada de decifrar se era um “ok, está tudo tranquilo” ou um “é, pode ir lá, se der algum problema aqui na sua ausência traga a carteira de trabalho no dia seguinte”.

Mas o que me deixava mais irritado era quando um pedido meu para ausência vinha com a pergunta “tá ok, mas aquele assunto X como está?”.

Se você realmente lidera uma equipe, está envolvido com o produto, com o projeto e não faz “micro gerencia”, você sabe do andar da carruagem, essa pergunta soa como um “enquadramento” do tipo “ahãn, quer se ausentar né, mas o trabalho está em dia?” ou uma moeda de troca “ok, pode ir, mas me entrega aquilo antes”.

Decisões sobre o rumo de projetos ou de produtos eram a mesma coisa ou pior: “façamos o que está no documento de análise de requisitos, se inventarmos depois pode dar problema para o nosso lado”.

E aí que entra o ponto que trago hoje, autonomia e proatividade.

Esse tipo de coisa reflete o quanto estamos acostumados a não termos autonomia ou não sermos proativos no dia a dia. Uma simples decisão de se ausentar um dia não deveria passar pela aprovação de um superior com uma carga de julgamento. Uma decisão técnica deveria ficar livre para ser tomada pelo time técnico sem medo de se errarem serem crucificados pela decisão tomada, mesmo que seja alguma mudança de planos como adicionar algo ao produto.

Responda para si mesmo agora o seguinte: você é arquiteto, dev, design ou Scrum Master de um squad e trabalha pautado estritamente nas histórias do seu backlog postas lá exclusivamente pelo PO, ou você tem a liberdade de incluir algo no produto que não estava no backlog e apresentar para o time na review do sprint, por exemplo? Ou sendo mais conservador, adicionando um item ao backlog do produto?

Pois é. Muitos de nós temos a visão do produto só na cabeça do Product Owner e desenvolvemos aquele produto “dele”, sem termos a coragem de olhar uma oportunidade qualquer e seguir com ela.
Eu falo produto, mas pode ser o projeto não ágil ou não voltado a visão de produto em que você trabalha.

Não estou promovendo a anarquia aqui, deixe-me esclarecer isso.

Há uma frase atribuída ao CEO e fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, que diz “não peça permissão, peça perdão” e que ecoa por todo o Vale do Silício.
Mas o que isso quer dizer?

Faça, seja proativo e se der algo errado peça desculpas. Mas antes de tudo: mova-se!

Mas já parou para pensar nessa pirâmide?

Esse é o modelo de trabalho de muitaaaas empresas. Infelizmente!

Existe um livro que eu gosto muito chamado Este Barco Também é Seu, de autoria de um capitão de mar e guerra da marinha dos Estados Unidos, D. Michael Abrashoff, que ao se ver liderando um navio de guerra repensou a forma de tomar decisões a bordo do seu navio.

No livro (cuidando para ser raso aqui e não dar spoiler) ele comenta que a tripulação dele deveria tomar decisões e não centralizar tudo nele.
Então sempre se questionando os seguintes itens e todas as respostas sendo negativas, eles poderiam decidir sozinhos:

  • Iremos por a vida de alguém em risco?
  • Iremos desperdiçar dinheiro público?
  • Iremos por esse navio em risco?

Parece bem razoável e faz muito sentido isso.

Aliás essa é uma das grandes diferenças entre empresas tech do Vale do Silício e as de fora dele, a autonomia que se exige dos times e indivíduos.
A filosofia do “tempo é precioso, mas se estás sentindo algo sobre uma ideia, tente implementa-la, isso pode valer milhões ou ser um grande diferencial para o produto” levada a sério.

Há textos de ex-Googles, ex-Facebooks e outras techs do Vale do Silício falado exatamente disso.

Para deixar um assunto a ser pesquisado e uma provocação a se pensar a respeito: para quem conhece a filosofia de gestão Management 3.0, se cruzarmos tudo isso que está nesse texto com os princípios Liberdade, Maestria e Empoderamento do Time, será que dá fit?
Mas isso ficará para um próximo post (ou para os comentários aqui :D)!

E aí eu volto no início desse texto e pergunto: como é que alguém que escuta de seu chefe “você que sabe” no sentido de dar de ombros, fugir da responsabilidade e se eximir de qualquer culpa ou participação, vai sentir-se confortável em ser proativo? Ou ainda, que visão turva tem um indivíduo que não enxerga o fato que é isso mesmo que as pessoas e o time deve ouvir: são vocês quem sabem!

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Abraço.

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Jean J. Michel

Agile Expert and father in Rio de Janeiro, Brasil. Lightweight geek with a incomprehensible passion for beautiful codes, cloud, agile, automobiles and cycling